quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Um dia fui chamado Delmar
Mama
Porque me chamaste Delmar?
Porque me deste de o ti o destino
Me deste a mim a chama, a vida, o viver e o existir?
Chamaste o nome sem saber que de começo o merecia.
Era a já conhecida a dávida.
Seria Deus ou destino?
Outrora, nada sabia o que era...
Hoje com o começo do caminho
Já sei o rumo do destino.
Deste-me o mar
Que pelo caminho me enviou
A estrada do meu universo
Que é o mundo da magia das letras!


Mira
(contadora de histórias brasileira)

DELMAR MAIA GONÇALVES por RUI SILVA

Penso que o Sr. Delmar Maia Gonçalves é um dos melhores poetas e escritores moçambicanos, pela sua escrita simples e verdadeira, que entra por "nós" dentro, que nos aquece a alma e nos faz "sonhar" com Moçambique e os seus problemas.
Fico grato por ter um amigo assim.

Rui Silva
(Poeta Popular Português)

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

O Eleito

És tu, que te ocultas não sei ainda onde...
És tu, que és mágico artístico, poeta perfeito...
És tu, que brilhas uma luz que se não esconde...
És tu, homem sublime e rarefeito...


Vera Novo Fornelos
(Poetisa e Artista Plástica)
Viana do Castelo, Dezembro 2007

Eu gostei mais do livro "Moçambique novo, o enigma".
Gostei mais do poema “Tu avó” porque fala da minha bisavó e por ser dedicado a ela. Gostei muito da forma do poema e da entoação.

Luna Delmar Gonçalves -9 anos
(Filha do Autor)
Parede, 09 de Setembro de 2008.

sábado, 23 de agosto de 2008


Moçambiquizando é a obra que marca o regresso do poeta Delmar Maia Gonçalves, um dos mais eminentes representantes da nova geração de escritores moçambicanos.

Em Moçambiquizando permanece presente a marca poética característica do autor, cuja poesia intervencionista prossegue instigando a reflexão sobre o Moçambique pós-independência, assim como, de fazer a denúncia ao drama étnico que atinge o mestiço - nem negro nem branco.

Edmundo Verdades
(psicólogo e bailarino Angolano)

Com o sugestivo título "Moçambiquizando", está de regresso o poeta Delmar Maia Gonçalves, protagonista de uma poesia de intervenção que induz à reflexão social e celebra a condição de ser moçambicano.

É um dos maiores representantes da nova vaga de escritores de Moçambique.

"Moçambiquizando"
culmina ser uma declaração de amor e memória a uma pátria nunca esquecida e sobejamente amada.


Edmundo Verdades
(Psicólogo e Bailarino Angolano)

DELMAR MAIA GONÇALVES por ANA PAULA LOUREIRO




Uma voz que emerge no silêncio e se dá a conhecer através de uma leitura simples e de fácil compreensão, o sentido nato da observação que lhe é peculiar, o estar atento a tudo que o rodeia e a sua hipersensibilidade bem visivel, não esquecendo o amor à pátria...

Ana Paula Loureiro
(Poeta  Moçambicana)
Obrigada por se ter dado a conhecer e também por ter dado recados do seu país que tanto ama.
Sobre os poemas, literariamente falando, tem a marca natural da narrativa africana, contam com simplicidade, estados de alma e situações vividas.
Gostei muito de poemas como "Nostalgia Africana" ou "As duas faces do cão tinhoso".

Lídia Jorge
(escritora)

domingo, 27 de julho de 2008

"África d'ontem"

Delmar, dedicado a ti, conterrâneo e pensando nos teus ancestrais africanos!

Moreno amigo,
Tens alma de sede...
Sede de saber,
Sede de ouvir,
Sede de falar,
Sede de aprender,
Sede de criar,
Sede de gritar!...
Oh!... África minha!...
Onde estás?
Como estás?
O que sentes?...
Sopra um vento,
Um vento NORTE!
Solta cabelos negros
Leva tudo....
levou tudo...
Há brisa leve e suave,
Mas os corações batem,
Os corações lembram,
Os corações choram.
Onde estás ÁFRICA?
Eras raiz...
Raiz de palmeira
Que o vento colheu!...


Gracinda Leão
(professora)
Nante/Quelimane 10/02/2004

Uma Liberdade fustigada pela cor do sangue

Uma Liberdade fustigada pela cor do sangue
Derramado no interstício silencioso
Do eco da Palavra.
Uma Liberdade que oprime e restringe
O que a língua unifica.
Laivo negro preso num verso em branco,
Opróbrio anelante numa página branca.

Será mais poderoso a palavra impressa,
Ou a página branca pungente e perversa?

Uma harmonia impetuosa, revolta em saudades etéreas...
Imagens lúcidas resguardadas, irrompem
E dissipam o silêncio...
Os segredos assomam-se neste mundo
Que regozija de lúgubres murmúrios...

O véu deambulatório não permite o olhar
Para além de um frágil e tímido horizonte
Restringido por palavras desmesuradas.

Delmar, del Sol desemaranhado das palavras sentidas e agouros,
Canta e grita até que o verso se confunda com o sopro do vento
E agite e aclame a tua voz...

O teu verso transpõe a debil barreira que o mundo austenta.
A tua imaginação cria o poema,
Revelando a essência exaltada pela ambição de uma cor que não existe!
Haverá cor para a dor, para a superioridade, para o escravo, para o olhar de soslaio...

Perpetua sempre o eterno numa estrofe límpida e perfeita
O sonho convicto da esperança guardada algures na tua mão.
Jamais ilusório, amanhecerá no teu rosto, irmão,
E espalhará a quem o quiser sentir, reflectir ou simplesmente ouvir
De mãos dadas irmãos de sangue...

Não sou ninguém, não és ninguém
Ambos pertencemos ao mesmo mundo, o do além...
Desembaraçado de fronteiras e cores...

Deixa-me o apanásio de poder honrar-te,
Apraz-me dizer-te, que do Mar ou do Sol
Hás de sempre erguer-te...

A Liberdade está dentro de ti,
Presa a cada palavra que a emoção transcreve pelo teu olhar...
Delmar Maia Gonçalves, poeta, amigo, irmão...


Valter Pereira (Poeta, Escritor e Professor do Ensino Básico)
nota introdutória ao livro "Entre dois rios com margens" (no prelo)

domingo, 4 de maio de 2008

Leituras em Diagonal

“Mestiço de corpo inteiro” de Delmar Maia Gonçalves

Os poemas deste livro abordam uma questão que, para muitos, nunca encontrará uma solução ideal, que é o da condição de se ser mestiço. Um problema que tanto a boa como a má literatura não poderão ajudar a resolver, mas somente a enunciar. Porque as ideias e as emoções que recebemos de leituras diversas poderão alterar os “quadros do nosso consciente, mas nada poderão fazer a nível do nosso inconsciente. E esse inconsciente, quando colectivo, vincula-nos a uma identidade de grupo.
As defesas do inconsciente colectivo tem por base linhas de divisão infracturáveis. Não há espaço para uma terra de ninguém, porque, quem não é como nós, é contra nós. “E da palavra raça/nascerão o ódio e o medo”, escreveu o poeta Nuno Bermudes exprimindo duma forma sintética a profunda divisão que se alberga no coração do homem.
As pontes para ligarem as pessoas que, à partida habitam mundos diferentes, são sempre de carácter transitório.
Nas alturas decisivas elas voltam a fechar-se nos mundos a que pertencem. E é vedada ao mestiço a liberdade de escolher um desses mundos por aqueles que entendem ser os seus legítimos habitantes: “Quando tu/ irmão branco/ de coração umbiguista/ me procuras insultar/ chamando-me preto/ só me dá vontade de rir,/ rir de tristeza/na tua cara/sem nunca mais parar!/ Quanto a ti/ irmão negro/ de coração libertino/do tamanho da África/ quando me procuras/ofender/ chamando-me/ misto sem bandeira/ dá-me vontade de chorar/chorar eternamente...” E duas das supostas linhas de separação entre o mundo branco e o mundo negro transparece na carga adjectiva de alguns versos: “Irmão branco/ de coração umbiguista”, indicam o auto-convencimento duma superioridade inata como característica principal dos homens de tez clara, e os que referem o “Irmão negro/ de coração libertino”, apontam para dois sentidos diferentes, sendo um positivo e o outro negativo. O Positivo, que entendemos ser também o do autor, indica a consciência de que os africanos começam a reflectir livremente sobre si mesmos, libertos das peias do paternalismo dos brancos. O negativo situa-se na equação, fácil de se aceitar, entre uma epiderme escura e uma forte carga de sensualidade.
O Delmar é um poeta que escreve como quem reflecte. Que tem sérias dúvidas sobre a qualidade da linguagem que pratica: “Nem a minha/ engenharia cerebral/ pensadora e reflexiva/nem a minha/mais humilde gramática/ chuabo/ conseguem encontrar/ resposta lógica/e racional” para o problema X. Para o problema Y, que poderá ser o da questão racial, também não poderá encontrar nenhuma resposta convincente e definitiva. Mas ao lembrar-nos de um modo persistente que o problema existe mantém de sobreaviso as nossas consciências.


Jorge Viegas
(Poeta e Escritor Moçambicano)
“À tua passagem
Ficou o olhar
Rasgado daqueles que
Procuram o mar...
Ficou o iodo
Pronto a alimentar
Um começo...
Ficou o teu riso
O teu medo
Ficou
A música das palavras
Dançando
Solta, rebelde
Numa boca entreaberta.
Bem haja!”

Gabriela
(Professora de Língua Portuguesa e Língua Francesa)
“Grito.Garra.Verve rimada, cascata de sentimentos.”

Carlos Gil
(Escritor e Poeta Luso – Moçambicano)
Lisboa, 9 de Maio de 2005.
Excerto do discurso improvisado do senhor Embaixador Miguel Mkaima, no lançamento do livro “Moçambiquizando” de Delmar Maia Gonçalves:
“Talvez a missão dele como Moçambicano, seja a de mostrar aos outros moçambicanos como devem ser moçambicanos.”

Dr. Miguel Mkaima
(Embaixador da República de Moçambique em Portugal)
Discurso integral improvisado do Senhor Embaixador António Matonso, na cerimónia da recepção do galardão “África Today” de Literatura em representação do escritor premiado Delmar Maia Gonçalves:

“Muito obrigado a “África Today” pela distinção a este jovem poeta Moçambicano.
Um jovem poeta promissor, que se inspirou na tradição (ele é da Zambézia), na tradição poética Zambeziana e por outro lado na história, a história daqueles que foram dignos representantes do proto-nacionalismo moçambicano. Falo dos poetas José Craveirinha e Noémia de Sousa.
Eu penso que este prémio é muito bem merecido.
Este jovem talentoso que escreve muito bem, que sabe como bom zambeziano retratar os sentimentos, as paixões, os sofrimentos.”

Dr. António Matonso
(Embaixador da República de Moçambique na República de Angola)

Prefácio do livro "Mestiço de Corpo Inteiro" de Delmar Maia Gonçalves por André Corsino Tolentino


O autor pediu-me um prefácio, fui ver o meu amigo Houaiss e pus-me a escrever este breve texto de apresentação do quarto livro de poemas do Delmar, com algumas explicações sobre o conteúdo, os objectivos e este crioulo da Zambézia tão activo que torna a selecção do que sobre ele dizer uma tarefa ao mesmo tempo desafiante e gratificante.

Não sei quanto as pessoas devem às circunstâncias do nascimento, o nome que um dia lhes deram ou o dia em que vieram ao mundo. O que tenho por certo é que, não vamos longe, em Castela e em Quelimane, o autor é do mar que nos transcende, filho de europeu e de africana, uma condição que o empurra na direcção do outro, e nasceu no dia D do meu Cabo Verde, 5 de Julho, 1975 para este e 1969 para aquele, seis anos de diferença.

Como se estas coincidências não bastassem, o autor e eu temos em comum o interesse pelo saber, a identidade pessoal e colectiva, as pessoas e o accionalismo, cujo princípio explicativo, segundo Alain Touraine, é a historicidade, isto é, a capacidade da sociedade agir sobre si própria pelo trabalho e pelas relações de classe. É o que me parece resultar do seu activismo estudantil, católico, docente, artístico e literário.

Às vozes ancestrais que murmuram na diáspora a tristeza de não podermos ser nós, o autor responde na dança da alma que resulta do negro e do branco, nem melhor nem pior, ponto final. E que em Moçambique novo, prossegue, estamos a construir uma nação de várias nações numa simbiose ímpar. Depois vêm a identidade nacional, a condição da mulher africana, o ecumenismo religioso, o amor, o sonho e a fraternidade, que compõem este belo livro de Delmar Gonçalves que li com prazer e recomendo com muito gosto.

Sim, há mais de dois mil anos, Lúcio Séneca terá dito que nenhum vento será favorável a quem não saiba a que porto se dirige. Será. Mas Delmar descobriu o caminho da fraternidade e da luta e, assim sendo, ao vento não será difícil ajudá-lo. Nem a nós, que podemos simplesmente adquirir e saborear a sua poesia do mar da mestiçagem humana.

Professor Doutor
André Corsino Tolentino
(Diplomata e Político Caboverdiano)
Lisboa, Outubro de 2006

Moçambique novo, o enigma

"Moçambique novo, o enigma" é a voz que denuncia a indiferença pela dor alheia e simultaneamente anuncia a esperança.
Desta forma, o léxico transporta uma sonoridade que constrói o corpo social de afectos de um povo.
Na verdade, Delmar exprime na leveza da pena a profundidade da natureza da relação afectuosa do Homem com a Terra. O poeta profeta desnuda a hipocrisia humana na singeleza cristalina de uma linguagem que desponta na poesia deste século.

Isabel Carreira
(Artista Plástica, Professora de Literatura Portuguesa e Inglesa e Mestre em Relações Interculturais)
Brasileira-Chiado 07/01/2006
“É uma constante encontrar nos poemas de Delmar toda uma série de sentimentos, observações, ânsias, desejos que através do seu olhar crítico e sensível nos leva a cogitar sobre a vida, sobre o nosso semelhante e sobre nós próprios.”

Susana Alves
(articulista da Revista “Lusofonia” e Licenciada em Relações Internacionais)
“Delmar desperta-nos para a consciência humana que tanto nos faz falta hoje em dia...”

Susana Alves
(articulista da Revista “Lusofonia” e Licenciada em Relações Internacionais)
“Nos poemas de Delmar, percebemos o quanto ele se preocupa com os outros, sejam seus irmãos de Moçambique, de Cabinda ou de Timor, da Palestina ou do Tibete, de Israel ou do Congo, da Serra Leoa ou do Afeganistão, da Colômbia ou do Iraque, da Libéria ou do Uganda, sejam as crianças, os heróis ou os amigos mais ou menos anónimos.”

Paula Ferraz
(professora de língua portuguesa e escritora)
“É tão bom escutar a voz dos jovens, sobretudo quando essa voz é força de amor, justiça sonhada, verdadeira poesia.”

Matilde Rosa Araújo
(Escritora)
O Delmar apresenta temas simples mas profundos, aparentemente comezinhos mas fortes e as palavras escolhidas ao sabor da emoção, da consciencialização dos problemas que o cercam vão tentando dar-nos todos os cambiantes da consciência humana, que são mais vastos que um floresta tropical".

Paula Ferraz
(professora de língua portuguesa, escritora, investigadora, dirigente do espaço Rui de Noronha)
"O autor como que João Baptista a pregar no deserto identifica-se porta-voz involuntário de uma situação que se gerou e acusa sem identificar o responsável"

Lívio de Morais
(artista plástico, professor de história da arte e mestre em História de África)
"O autor assume a filosofia espiritual de São Francisco de Assis, como mensageiro da harmonia, paz e concórdia"

Lívio de Morais
(artista plástico, professor de história da arte e mestre em História de África)

Sobre o autor

"Uma vontade gritante de dar sentido à mestiçagem".

Rita Pablo
(Jornalista da Revista "África Today" e Expresso Online)

quarta-feira, 30 de abril de 2008

MESTIÇO DE CORPO INTEIRO

Costuma-se dizer que a porta de entrada de um livro é o seu título. Estabelecendo com o texto que antecede uma função de moldura, acaba também por designa-lo, de forma metonímica. Note-se ainda que intitular encerra em si duas operações: por um lado circunscreve, delimita, mas sendo também já um acto de criação, na medida em que estabelece expectativas, criando um primeiro laço empático com o potencial leitor.

Estas questões associam-se ao facto de o título deter um certo poder no sentido de orientar e de determinar a leitura do texto que antecede. Estabelece uma relação entre o fora e o dentro, remetendo para o interior do livro e dialogando desde logo com o leitor.

Uma outra dimensão do título, que aqui queria convocar, refere-se ao relevo semântico e ao peso sócio-cultural que pode assumir, em determinadas circunstâncias. Assim, a propósito de Mestiço de Corpo Inteiro, e sobretudo se conhecermos o percurso pessoal do Delmar Gonçalves – não podemos esquecer as articulações fortes que a obra e o seu autor podem estabelecer, articulações essas que os estudos literários têm vindo a revalorizar, sendo um aspecto com particular pertinência no caso que aqui nos reúne – este relevo semântico e essa dimensão sócio-cultural tem um interesse especial, pois remete-nos para um sintagma que individualiza um sujeito que desde o início se auto-define, iniciando e anunciando logo a partir do título um percurso de desvendamento de si, que constitui, a meu ver, o traço mais marcante deste volume de poesia.

Este percurso de desvendamento é um processo dinâmico, na medida em que se vai concretizar e alimentar a partir da dialéctica que se estabelece entre a construção da identidade do sujeito – marcada por uma complexidade que diversos poemas retratam as leituras que esse sujeito vai fazendo do real exterior. Podemos assim dizer que esse oscila entre uma dimensão mais intimista e a interrogação sobre o mundo, estabelecendo uma tensão entre o interior (o íntimo do sujeito) e o exterior (o mundo que o rodeia).

No que se refere ao primeiro núcleo, notamos que o sujeito procura edificar uma imagem de si mesmo, onde se cruzam diferentes vectores, angústias e paradoxos. Esta dimensão atinge a sua mais completa expressão no poema “E eu sou eu” (Aqui estou eu/ Mestiço de negro e branco/ Severo e brando/ Obstinado e ocioso/ Modesto e orgulhoso) mas cruza o livro todo, devendo ainda reter-se poemas como “Busca incessante”, “Mestiço e Africano” ou “O meu Eu” que revelam os conflitos mais íntimos do sujeito.

O real exterior é fruto de múltiplas insatisfações, que se cruzam directamente com a dimensão anterior mas que se prolongam igualmente num ideal de sociedade – e também nesse real se vai projectar uma dimensão de sonho e de potenciais transformações que se desejam. Quase que se poderá afirmar que é neste conflito que se encontra a matéria que impele a criação poética. Note-se igualmente, a este propósito, o papel da temporalidade, relevante neste processo de construção/reflexão, já que o livro integra textos datados com um intervalo de mais de vinte anos: os mais antigos são de 1984 e os mais recentes do ano de publicação do volume, 2006. Sem se pretender aprofundar esta situação, parece no entanto nítido que as inquietações apontadas percorrem uma “linha da vida” do sujeito criador, projectando-se, umas vezes de forma mais simbólica outras numa visão mais na linguagem poética, juntando assim vida e escrita.

Em termos técnico-compósitos, poderemos associar dois tipos de discurso às duas facetas descritas. Assim, no plano expressivo, nota-se o uso frequente da frase exclamativa que nos remete para essa dimensão mais interiorizada, em textos em que o sujeito poético assume de forma aberta a sua individualidade e certos paradoxos que marcam a sua existência: “Mandam-me embora, logo a mim! Eu, que sou africano de corpo e alma” (do poema “O dilema da hipocrisia racista”); “Que condição esta de ser o que sou…! (do poema “O Mestiço”).

Por outro lado, à atitude de confrontação e de questionamento sobre o real exterior irá associar-se, de forma mais evidente, a frase interrogativa. Nesta categoria temos textos em que o eu poético se institui, ainda na primeira pessoa, como elemento interpelante, dirigindo-se a um tu colectivo ou individual, mas também outros poemas em que se dá lugar a uma voz fortemente inquisitiva do próprio sujeito. Inserem-se aqui, por exemplo, os textos “Mulher africana”, sobre a figura feminina ou “Desumanidades convencionais”, “Genealogia humana” e “Perspectivas”. Estes dois últimos textos assumem, de maneira explícita, a atitude de interpelação que se tem vindo a referir, forma esta que se consubstancia no recurso frequente a elementos lexicais interrogativos, como Perguntarei/ como compreender/ como interrogar/ Onde estará a saída/ Porquê odiar/ porque rejeitar, citando expressões que surgem em diferentes poemas.

Estes aspectos vão remeter-nos para outra característica que torna singular este livro. Na verdade, ao questionar tão fortemente o real e ao procurar respostas concretas para algumas perguntas que são colocadas, alguns poemas que apontam para a função metalinguística da palavra, na medida em que se agarra em determinados conceitos que são elementos-chave no discurso que o livro vai construindo, procurando clarificar esses conceitos.

Isso acontece em poemas como “Exercício sobre a moçambicanidade” ou “Ser mestiço é”, cujos títulos anunciam desde logo a natureza definitória e explicativa destes textos, mas ainda está presente em “Dança ancestral da alma”, “L’enigme”/”O enigma” ou “Mestiçagem” entre outros que poderíamos referir, já que esta constitui uma pulsão criativa com um peso marcante nestes textos. O poema breve “Ser mestiço é…” representa bem o cruzamento da atitude de questionamento e de procura de uma identidade:

Ser mestiço é…

Ter a liberdade de escolher aquilo que
Se quer…?
Ter a liberdade de escolher aquilo que
Se quer ganhar?
Ter a liberdade de escolher aquilo que
Se quer perder?

A estrutura anafórica deste e de vários poemas contribui também para acentuar estas linhas de força centrais: de facto, é através da repetição cadenciada de certas expressões ou mesmo de frase completas, quase que em estilo de refrão, que certas “utopia” – para utilizarmos um termo que surge em vários textos – se posicionam de forma mais nítida perante os olhos do leitor.

Entre essas utopias contam-se o desejo de uma harmonia cósmica que assume diversas amplitudes: em “Junho moçambicano” expressa-se o desejo de unidade e paz entre os moçambicanos; em “Sonho ancestral” essa utopia alarga-se ao continente africano e em “Sonho de um futuro que não chegou”, atinge todos os povos da terra. E é na palavra sonho que, finalmente, se reúne e se perspectiva o trilho que o livro desvenda. Mas convém sublinhar que não estamos apenas localizados na mera retórica do discurso onírico, já que, como se disse no início, o percurso pessoal do Delmar Gonçalves tem procurado na sua actuação cívica concretizar alguns dos sonhos que partilha com o leitor neste seu livro. Neste sentido, o poema que encerra o volume transmite a tensão que, afinal, faz o Delmar prosseguir a sua caminhada – na escrita e na vida.

Entre o sonho e a realidade

Sonho
Sonho permanentemente
Desesperadamente
Diariamente
Utopicamente
Mas vivo na realidade
Talvez se tivesse nascido
Noutras épocas e noutros tempos
Tivesse conhecido Gandhi e King
Luthuli e Mandela
Trocasse ideais,
Partilhasse ideais,
Fosse um herói de revoluções,
Concretizasse o sonho de muitos homens
E fizesse feliz a “raça” humana.

Por tudo isto, quero finalmente dizer ao Delmar que não abdique de sonhar pois, recuperando aqui dois poetas da utopia, é preciso não esquecer que “Pelo sonho é que vamos” (Sebastião Gama) e que “O sonho comanda a vida” (António Gedeão).


Glória Bastos
(Escritora, Investigadora e Professora da Universidade Aberta de Lisboa)
Lisboa, Janeiro de 2007

terça-feira, 29 de abril de 2008

UM POETA NO EXÍLIO




Se há, entre os autores africanos a viverem fora de África, alguém cuja voz poderá e deverá classificar-se como a mais genuinamente africana de todas, essa voz é a de Delmar Maia Gonçalves. No seu caso não só a mais genuinamente africana como, também, a mais genuinamente moçambicana que se ergue no exílio. E uso este termo porquanto, mau grado a sua formação sócio-cultural europeia, ele é e será sempre um escritor e poeta exilado.
É verdade que, como homem, Delmar denota o modo de ser português herdado do tempo colonial, ainda não distante de todo, que a sua marca, a sua sombra, se pudessem ou houvessem já, de todo, desvanecido. E até porque é em Portugal que vive, trabalha, cumpre seu dia a dia como qualquer cidadão português entre os demais – independentemente do que o bilhete de identidade registe em termos de nacionalidade. Mas quando o poeta acontece, é África, é Moçambique, o que de facto lá está. Os dois belíssimos livros – “Moçambique Novo: o Enigma” e “Moçambiquizando” – comprovaram-no à saciedade.
Todavia, e a par dessa avassaladora e apaixonada entrega à África que o viu nascer e lhe moldou a infância e a adolescência e que lhe está no sangue e na carne e na alma, há em Delmar Gonçalves um tocante e comovente volver de olhos e abrir de braços à Humanidade no seu todo – os Homens nos seus sonhos, nos seus dramas, na sua fome de justiça e paz, nos seus desesperos, no seu crer. Essa voz universal que a poesia contém e que está bem patente nos seus versos, no seu pensamento – não obstante a sua (ainda) marcada juventude. Não há dúvida: muitas vezes o envelhecimento da alma ocorre muito antes, afinal, que as marcas do tempo aconteçam no corpo. Neste jovem porta moçambicano no exílio, é isso o que se verifica.
Ao lermos os seus poemas, sobretudo os mais recentes, percebe-se de uma forma clara e num repente que nos empolga, que Delmar Maia Gonçalves, ao mesmo tempo que se irá tornando num andarilho de países e povos, se irá cada vez mais transformando num mensageiro dos sonhos e das preocupações do Homem no seu todo, independentemente da sua cor, da sua língua, do seu sítio. E isto sem nunca deixar de ser o que, acima de tudo, é: a voz mais genuinamente africana dos poetas moçambicanos no exílio – como, no seu caso, as contingências da vida dele fez.

GUILHERME DE MELO
(Escritor, Poeta e Jornalista)

Lisboa, Outubro de 2006