quinta-feira, 28 de novembro de 2013

ENTREVISTA AO JORNAL DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DA IMPRENSA


1 - Em que ponto está o Acordo Ortográfico em Moçambique? O governo chegou a ratificar?
O Governo de Moçambique ratificou o AO em 2012. Essa posição teve em conta a Presidência da CPLP que o país assumiu. De resto é a posição do Governo Moçambicano de que os moçambicanos falam português, mas com características muito próprias, tendo em conta o grande peso das chamadas línguas nacionais. Na perspectiva deste Governo haverá também aqui imenso trabalho a fazer entre a ratificação do AO já feita e a plena entrada em vigor do mesmo. Sendo preciso clarificar a dimensão total e global das implicações de natureza não só financeira, como também, organizativa e operativa da língua.

2 - Há oposição significativa ao AO em Moçambique?
Se considerar os escritores, poetas, jornalistas, professores de todos os níveis de ensino, formadores, educadores, investigadores, linguistas, artistas plásticos e alguns políticos moçambicanos significativos, então sim, é muito significativa a oposição. Depois, não se pode esquecer toda a massa intelectual moçambicana nas várias diásporas. Para além das vozes que se erguem, há ainda muitas vozes silenciosas.

3 - Qual é a opinião do senhor sobre as novas regras adotadas pelo AO?
A minha posição é clara. Sou absolutamente contra o AO, digo mais: repudio-o! Este acordo nem sequer tem em conta a realidade específica de Moçambique, é um acordo meramente de cariz económico-financeiro, que não respeita as especificidades culturais dos diversos países da CPLP (africanos e Timor-Leste).

4 - Na opinião do senhor, o AO leva em conta as diferenças culturais entre os diversos países falantes de Português?
Na minha opinião, não leva em conta, nem respeita as diferenças culturais e linguísticas dentro do espaço da CPLP. Além da língua portuguesa, quantas línguas mais se falam na Guiné-Bissau? Quantas línguas mais se falam em Angola? Quantas línguas mais se falam em Moçambique? Quantas línguas se falam em São Tomé e Príncipe, Cabo Verde ou Timor –Leste?
Alguém teve em conta que em alguns destes países a padronização destas línguas estava ainda em curso ou, em alguns casos, não se tinha ainda iniciado? E a alfabetização que decorria terá que ser feita em novos moldes?

5 - O AO facilita ou dificulta o ensino da língua em Moçambique?
Se fala do ensino na língua portuguesa, eu diria pessoalmente, que dificulta. Porquê? Porque a formação ainda é deficitária. Muita gente já sentia dificuldades na norma anterior da escrita e da fala e estava ainda num processo de consolidação. Com o novo AO todo o trabalho feito, que foi muito e significativo, vai por água abaixo. Quem domina a língua portuguesa, actualmente, precisa de formação e até que, o domínio da nova norma seja efectivo, isso levará quanto tempo? Moçambique ainda tem falta de quadros na educação e os que há, apresentam algum défice de formação contínua, salvo uma relativa minoria e precisaremos de formadores em todas as áreas e sectores de actividade da sociedade, não só de educação. Quem, como e quando serão formados? E por quem? Quantos especialistas do novo AO há disponíveis para ir formar Moçambique de norte a sul? E quem lhes irá financiar?
Outro facto a ter em conta, como atrás referi, será o da padronização das outras línguas faladas em Moçambique. Já existem aulas experimentais de alfabetização nalgumas línguas nacionais e outras ainda em processo de estudo. Como ficará tudo isto? Pergunto-me se tiveram em conta todos estes factores?

E os manuais escolares moçambicanos serão produzidos por quem? Quem os financiará? Onde serão editados e quem serão os seus autores? Em quanto tempo será feito tudo isto? Quem irá financiar e apetrechar as bibliotecas nacionais, locais e escolares, que ainda recebem livros com a norma anterior e que muito se lamentam da falta de livros técnicos e não só?

ENTREVISTA A SITE ANGOLANO


Entrevista a Delmar Gonçalves poeta e escritor moçambicano
1) Comecemos com a pergunta da praxe, como começou a escrever?
R: Bem, comecei a escrever na escola e na altura escrevi mais prosa. Isto foi em 1982, ainda em Moçambique, e nessa altura já admirava muito o Eça de Queirós, Escritor Português,  que descobri na humilde mas bela Biblioteca Municipal de Quelimane. E gostava também de ler Banda  Desenhada, Lendas e Contos.

2) Quais são as influências da infância e adolescência que determinaram para a sua opção pela poesia e não para uma outra vertente artística? E porque? 
R:As minhas influências da Infância e Adolescência que determinaram a minha opção pela Escrita e não propriamente pela Poesia, de que no princípio nem era grande adepto, e não escrevo apenas Poesia.Foram como disse, antes as minhas leituras de Eça de Queirós (de Portugal), a descoberta da Moçambicana  Noémia de Sousa na Poesia,  da Poesia Erótica e Satírica do Poeta Português Bocage, da Poesia  do Moçambicano Rui Nogar,  da leitura  dos Contos das Mil e Uma Noites, da  leitura de Pepetela (de Angola), da leitura de Ruy Mingas (de Angola) e  de alguns dos livros da colecção FBI  que surripiava ao meu pai. Depois, lia muito os Jornais Moçambicanos “Notícias”, “Domingo” e a Revista “Tempo” que o meu pai sempre comprava e via muito Cinema que depois contava aos familiares e amigos (meu falecido  irmão mais velho  era Artista Plástico Moçambicano  e trabalhava  em dois Cinemas de Quelimane). Também tinha um avô já falecido, que gostava de contar Histórias com grandes pingos de humor! Foi aí que decidi  começar as minhas primeiras tentativas de Escrita.

3) Como se deu o processo de fixação em Portugal e para que fins?
R: Foi  doloroso. Nunca o esperei, pois a incorporação no serviço militar obrigatório moçambicano de vários familiares meus, entre eles de um irmão, vários primos, tios  e tias, devido à birrice vingativa pessoal de um Comandante com a minha Família, não augurava nada de bom para mim e para um outro irmão meu. Tivemos de sair do nosso país para  Portugal para  prosseguir os Estudos. A África do Sul nunca foi opção,  porque não concordavamos com o desumano  Sistema político  do APARTHEID.



4) Como tem sido a sua vida artística fora de Moçambique?
R: Tem sido abençoada por coisas boas graças ao meu esforço, trabalho e dedicação. Já ganhei alguns Prémios e Reconhecimentos importantes. Felizmente os Convites não param de surgir. Ainda espero concretizar  muitos Projectos e muitas conquistas.

5) Sabemos que criou o CEMD «círculo de escritores moçambicanos na diáspora» qual é exatamente o trabalho que desenvolve?
R:Promover e Divulgar a Literatura Moçambicana (dentro e fora de Moçambique) e autores Moçambicanos conhecidos e desconhecidos  que estão dentro e fora de Moçambique, criar pontes entre  nós e potenciar o intercâmbio entre os Autores da CPLP.

6) Que relações mantem com os escritores moçambicanos na diáspora e em Moçambique?
R: Quer nas diásporas, quer em MOÇAMBIQUE sem  excepção, relaciono-me bem com todos, de forma natural, saudável e normal. Existe um intercâmbio intelectual  saudável. Todos os dias trabalho para que este objectivo seja uma realidade, pois acredito que o compromisso maior dos Escritores deve ser com a Escrita! Alguns desses  Escritores, tornaram-se meus  amigos pessoais e cúmplices das grandes  jornadas literárias!

7) Na sua opinião quais são as dificuldades para publicar um livro em Moçambique? 
R:  Tem a ver com o fraco investimento editorial nos autores moçambicanos menos conhecidos ou ainda pouco reconhecidos ou desconhecidos. As grandes Editoras não apostam em valores desconhecidos. Uma visão  estratégica  errada! Depois, o  mecenato cultural deveria ser mais incentivado e reconhecido!

8) Fale-nos da literatura africana contemporânea (Angola, Cabo-verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe).
R: Creio que as Literaturas Moçambicana, Angolana e Cabo-Verdiana levam vantagem sobre as Literaturas da Guiné-Bissau e São Tomé e Princípe. Ganharam um Estatuto diferente! Moçambique, Angola e Cabo Verde ganharam a Projecção que a Guiné-Bissau e São Tomé e Princípe ainda não  possuem. Mas julgo também que apesar de tudo, todas elas partilham os mesmos dramas e problemas!

9) Na sua opinião como está a literatura africana de língua portuguesa, em termos de produção?
R: O número de Autores de qualidade aumentou e obviamente a produção literária cresceu. Virou moda ser  Escritor, Poeta ou Artista Plástico! O inverso também aconteceu, há demasiada gente publicando, mesmo sem qualidade nenhuma. E existe  muito  oportunismo e busca  de simples protagonismo  doentio. Será necessária a filtragem, que estou certo só a crítica e as Academias se encarregarão de fazer! Nesse processo, deve estar de fora o poder político!

10) Qual a sua opinião sobre o ensino das artes nas escolas africanas?
R: Julgo que em relação ao meu país em especial, apesar de ter grandes mestres da Pintura, Desenho, Escultura, Cerâmica e Fotografia (Malangatana, Chichorro, Bertina Lopes, José Pádua, Naguib, Inácio Matsinhe, Reinata Sadimba, Shikani, Lívio de Morais, Ribeiro Canotilho, Chissano, José Júlio, Lara Guerra , Mankeu, Naftal  Langa, Heitor Pais, Ricardo Rangel, Ntaluma), precisa de um grande investimento na área do Ensino.Mais Escolas Intermédias, Profissionais e Superiores de Artes e de preferência em todas as Cidades Capitais Provinciais até ao Ensino Universitário, com promoção de Mestrados e Doutoramentos. Julgo também  que teremos muito a aprender com outros países da África Central,nesse aspecto particular! De resto, acredito que Moçambique, Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau e São Tomé e Princípe têm problemas comuns nesta área.

11) Sobre a literatura de língua portuguesa, que livros recomenda para leitura obrigatória e porquê?
R: Neste momento, julgo haver Autores que já deveriam ser obrigatórios! Sem discriminar ninguém, julgo que José Craveirinha, Noémia de Sousa, Rui Knopfli, Rui Nogar, Mia Couto, Ungulani Ba Ka Khosa, Paulina Chiziane, Eduardo White, Luís Carlos Patraquim e Virgílio de Lemos devem ser as referências. Mas sem descurarem Antologias inclusivas de todos os outros Autores Moçambicanos   que estão  dentro e fora  do país e já possuem obra significativa.Exemplos? Nélson Saúte, Marcelo  Panguana, Calane da Silva, Ascêncio de Freitas, Lília Momplé, João Paulo Borges Coelho, Heliodoro Baptista, Jorge Viegas, Suleiman Cassamo, Delmar Maia Gonçalves, Guita Jr., Sebastião Alba, Sónia Sultuane, Lucílio  Manjate, Ruy Guerra, Albino Magaia, Bahassan Adamodgy, Jorge Rebelo, Filimone Meigos, Marcelino dos Santos, Luís Bernardo Honwana, Rui de Noronha, Reinaldo Ferreira, Nuno Bermudes, Glória de Sant’Anna, Ana Mafalda Leite, Orlando Mendes,  entre outros.

12) Qual é a importância da literatura oral no contexto atual e num mundo cada vez mais globalizado?
R: É de importância fulcral, pois é o início de tudo. Necessariamente teremos de preservá-la, defendê-la! Está lá a nossa Identidade, a raiz da nossa História ancestral! Mas julgo estar neste momento  sendo resgatada pelos jovens Africanos, que já perceberam a sua importância!

13) Fale-nos do contexto atual do estado Moçambicano, estamos a beira de uma guerra? Como cidadão qual é a sua opinião?
R: Creio que neste momento vivemos uma guerra não declarada, com  consequências imprevisíveis. O próprio regime de tipo Democrático estará posto em causa em termos de futuro. Sou absolutamente contra o belicismo actual, e, portanto, contra qualquer hipótese de guerra. Este conflito deve ser resolvido pela via do Diálogo, que aliás estava decorrendo quando foi bruscamente interrompido! Não julgo normal ou viável que sucedam ataques armados recíprocos com mortes e em simultâneo se fale de Diálogo e de Paz! As Hostilidades devem parar já!!! É uma loucura, um absurdo em que o Povo Moçambicano não se revê!

14) Enquanto poeta e escritor, que mensagem deixaria para a juventude africana?
R: Apelaria para que a Juventude Africana aposte forte na sua formação quer Académica quer Profissional, acredite em si própria e tenha fé e esperança no FUTURO, sem que isso signifique   deixar de ser mais reivindicativa , mais  crítica e auto-crítica no PRESENTE! Nada nos é dado de mão beijada, gratuitamente. Temos de lutar, lutar sempre  para conquistar um pedaço que seja do nosso chão!

Por: Domingas Monte


segunda-feira, 25 de novembro de 2013