terça-feira, 29 de abril de 2008

UM POETA NO EXÍLIO




Se há, entre os autores africanos a viverem fora de África, alguém cuja voz poderá e deverá classificar-se como a mais genuinamente africana de todas, essa voz é a de Delmar Maia Gonçalves. No seu caso não só a mais genuinamente africana como, também, a mais genuinamente moçambicana que se ergue no exílio. E uso este termo porquanto, mau grado a sua formação sócio-cultural europeia, ele é e será sempre um escritor e poeta exilado.
É verdade que, como homem, Delmar denota o modo de ser português herdado do tempo colonial, ainda não distante de todo, que a sua marca, a sua sombra, se pudessem ou houvessem já, de todo, desvanecido. E até porque é em Portugal que vive, trabalha, cumpre seu dia a dia como qualquer cidadão português entre os demais – independentemente do que o bilhete de identidade registe em termos de nacionalidade. Mas quando o poeta acontece, é África, é Moçambique, o que de facto lá está. Os dois belíssimos livros – “Moçambique Novo: o Enigma” e “Moçambiquizando” – comprovaram-no à saciedade.
Todavia, e a par dessa avassaladora e apaixonada entrega à África que o viu nascer e lhe moldou a infância e a adolescência e que lhe está no sangue e na carne e na alma, há em Delmar Gonçalves um tocante e comovente volver de olhos e abrir de braços à Humanidade no seu todo – os Homens nos seus sonhos, nos seus dramas, na sua fome de justiça e paz, nos seus desesperos, no seu crer. Essa voz universal que a poesia contém e que está bem patente nos seus versos, no seu pensamento – não obstante a sua (ainda) marcada juventude. Não há dúvida: muitas vezes o envelhecimento da alma ocorre muito antes, afinal, que as marcas do tempo aconteçam no corpo. Neste jovem porta moçambicano no exílio, é isso o que se verifica.
Ao lermos os seus poemas, sobretudo os mais recentes, percebe-se de uma forma clara e num repente que nos empolga, que Delmar Maia Gonçalves, ao mesmo tempo que se irá tornando num andarilho de países e povos, se irá cada vez mais transformando num mensageiro dos sonhos e das preocupações do Homem no seu todo, independentemente da sua cor, da sua língua, do seu sítio. E isto sem nunca deixar de ser o que, acima de tudo, é: a voz mais genuinamente africana dos poetas moçambicanos no exílio – como, no seu caso, as contingências da vida dele fez.

GUILHERME DE MELO
(Escritor, Poeta e Jornalista)

Lisboa, Outubro de 2006

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