domingo, 4 de maio de 2008

Prefácio do livro "Mestiço de Corpo Inteiro" de Delmar Maia Gonçalves por André Corsino Tolentino


O autor pediu-me um prefácio, fui ver o meu amigo Houaiss e pus-me a escrever este breve texto de apresentação do quarto livro de poemas do Delmar, com algumas explicações sobre o conteúdo, os objectivos e este crioulo da Zambézia tão activo que torna a selecção do que sobre ele dizer uma tarefa ao mesmo tempo desafiante e gratificante.

Não sei quanto as pessoas devem às circunstâncias do nascimento, o nome que um dia lhes deram ou o dia em que vieram ao mundo. O que tenho por certo é que, não vamos longe, em Castela e em Quelimane, o autor é do mar que nos transcende, filho de europeu e de africana, uma condição que o empurra na direcção do outro, e nasceu no dia D do meu Cabo Verde, 5 de Julho, 1975 para este e 1969 para aquele, seis anos de diferença.

Como se estas coincidências não bastassem, o autor e eu temos em comum o interesse pelo saber, a identidade pessoal e colectiva, as pessoas e o accionalismo, cujo princípio explicativo, segundo Alain Touraine, é a historicidade, isto é, a capacidade da sociedade agir sobre si própria pelo trabalho e pelas relações de classe. É o que me parece resultar do seu activismo estudantil, católico, docente, artístico e literário.

Às vozes ancestrais que murmuram na diáspora a tristeza de não podermos ser nós, o autor responde na dança da alma que resulta do negro e do branco, nem melhor nem pior, ponto final. E que em Moçambique novo, prossegue, estamos a construir uma nação de várias nações numa simbiose ímpar. Depois vêm a identidade nacional, a condição da mulher africana, o ecumenismo religioso, o amor, o sonho e a fraternidade, que compõem este belo livro de Delmar Gonçalves que li com prazer e recomendo com muito gosto.

Sim, há mais de dois mil anos, Lúcio Séneca terá dito que nenhum vento será favorável a quem não saiba a que porto se dirige. Será. Mas Delmar descobriu o caminho da fraternidade e da luta e, assim sendo, ao vento não será difícil ajudá-lo. Nem a nós, que podemos simplesmente adquirir e saborear a sua poesia do mar da mestiçagem humana.

Professor Doutor
André Corsino Tolentino
(Diplomata e Político Caboverdiano)
Lisboa, Outubro de 2006

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