quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Discurso Integral de Lívio de Morais

Discurso Integral de Lívio de Morais na apresentação do livro "Moçambique Novo, o Enigma" , no Palácio Galveias

Permitam-me que tome a palavra "Ex-professo" (como quem conhece a fundo a questão), na qualidade de privilegiado que sou:

1º Porque Delmar e eu próprio, somos naturais da mesma província de Moçambique, a Zambézia.

2º Delmar Maia Gonçalves é meu afilhado muito amado.

3º Esta publicação tem o apoio simbólico do Centro Cultural Luso-Moçambicano, de que sou fundador, e que Delmar Maia Gonçalves é membro fundador desde o 1º dia.

Apresento-me aqui, expressamente convidado pelo autor como autor da imagem da capa deste livro. Também creio que o Delmar convidou-me para estar nesta mesa, pela experiência de eu ter editado três livros e, na qualidade de presidente duma associação moçambicana, o Centro Cultural Luso-Moçambicano que apoiou o livro.

Epicuro disse: " Ex nhilo nihil" ou seja, de nada, nada, precisamente o que um dia disse Lavoisier: Nada se perde, tudo se transforma na natureza.

De facto, criador absoluto é unicamente Deus, e toda a criatura transforma esse manancial do universo criado.

Esta obra de Delmar Maia Gonçalves, faz parte desse universo recriado, fruto da imaginação criadora.

A obra: Moçambique Novo: O Enigma, não passa pela afirmação de Tertuliano que disse "Credo, quia absurdo" ou seja, acredito porque é absurdo.

De facto, Delmar Maia Gonçalves corajosamente afirma "sponta sua", isto é, por iniciativa própria, Moçambique Novo, O Enigma, porque de facto a África é um enigma com os seus mitos e ritos ancestrais que o Ocidente não foi capaz de decifrar em 500 anos de domínio.

Por isso mesmo a escritora Noémia de Sousa continua a dizer:
"Se me quiseres conhecer,
Estuda com olhos de ver
Esse pedaço de pau-preto
Que um desconhecido irmão maconde
De mãos inspiradas
Talhou e trabalhou
Em terras distantes lá no Norte.

Ah, essa sou eu..."

Esta obra poética de Delmar Maia Gonçalves, é também esse pedaço de pau preto.

Ler estes poemas, é aceitar o convite para conhecer Moçambique Novo caracterizado de toda a carga de consequências do tempo colonial e dos trinta anos de independência que estamos a celebrar neste mês de Junho.

"A vol d'oiseau" (a voo de pássaro ou muito por alto), dir-se-ia Moçambique Novo é realmente novo, porque é independente: Pedra a Pedra vai construindo o novo dia, graças a milhões de braços concentrados numa só força, gritando: nenhum tirano nos irá escravizar.

Esta obra poética foi fruto de audácia do autor, no dizer de Virgílio em Eneida X, 284: "audaces fortuna juvat".

Com efeito, Delmar Maia Gonçalves colhe os frutos maduros da sua audácia de tal forma que a dois dias do glorioso dia do 30º aniversário da Independência de Moçambique lança a sua obra.

E, se considerarmos a situação de Delmar como jovem de 36 anos, no ensino, não ignoramos todas as dificuldades e circunstâncias da gestação desta publicação, ou seja, o quis (quem), quid (quê), ubi (onde), quibus auxilium (por que meios), cur (porque), comodo (como) e quando (quando)."

Também importa recuarmos no tempo até 5 de Julho de 1969, e tentarmos associar esta data com curiosas circunstâncias.

Em 1969 foi Prémio Nobel da Literatura o Poeta, Romancista e Dramaturgo Irlandês, Samuel Beckett (1906-1989), pai do teatro do absurdo, autor da peça "En Attendant Godot" (À Espera de Godot). Escritor com estilo de ironia amarga: foca contraste entre a esperança e a realidade.

Em 1969 a 7 de Julho, dá-se a catástrofe do Biafra com milhões de vítimas.

Em 1969 a 9 de Julho, Ernesto Che Guevara é preso e abatido.

Em 1969 a 3 de Dezembro, Dr. Christian Barnard efectua na Cidade do Cabo o 1º transplante cardíaco num humano.

Queiramos ou não 1969, internacionalmente é um marco que parece não estar despercebido por Delmar Maia Gonçalves, como ano natalício.

Finalmente, vou fazer especial referência aos poemas: mas queria lamentar o facto de só esta semana ser possível conhecer o extracto do livro.

Foram-me entregues 16 fotocópias com poemas do livro, logicamente não posso e nem devo fazer uma crítica do livro como desejava.

De qualquer forma, tive a capacidade de entre as 16 fotocópias seleccionar 3 poemas, que passo a comentar:

1- Em NÃO SOU MAIS EU... poema de 2003, o autor como que João Baptista a pregar no deserto identifica-se porta-voz involuntário de uma situação que se gerou e acusa: "injustiças cometidas no passado, perdas ancestrais e pequenas vitórias alcançadas na vida." O autor não identifica o responsável, nem se identifica como sendo o acusador, apenas, diz:"Não sou mais eu..."

A título comparativo reportemo-nos a obra de Fernando Pessoa, e encontramos em "Eu Fragmento" a mesma atitude de enigma:

"Não sei quantas almas tenho
Cada momento mudei
Continuamente me estranho
Nunca me vi, nem achei.

Não sei quem sou, que alma tenho.
Quando falo com sinceridade
Não sei com que sinceridade falo.

Meu Deus, meu Deus, a quem assisto?
Quantos sou? Quem é eu?
O que é este intervalo
Entre mim e mim?"

2 - Em URGÊNCIA DAS PAZ PERPÉTUA, poema de 1988, o autor assume a filosofia espiritual de São Francisco de Assis, como mensageiro da harmonia, paz e concórdia.

3 - Em SONHO DE UM FUTURO QUE NÃO CHEGOU de 2001, o autor parafraseando o discurso de 28 de Agosto de 1963 proferido por Martin Luther King, Prémio Nobel da Paz: "I have a dream...", Delmar Maia Gonçalves, também revela-nos o seu universo irreal. Um sonho enigmático como Moçambique Novo:

"...

Tive um sonho
Em que os homens
Eram eleitos
Pelo seu valor e integridade.

Tive um sonho
Em que os desertos
Se tornaram férteis
Repletos de oásis.

Tive um sonho em que a realidade
De hoje se tornou
Um horror
E a utopia do futuro
Se tornou realidade.

Tive um sonho
Em que as fronteiras
Humanas
Se transformaram
Em infinitos rios
De arco-iris sem igual".

Mestre Lívio de Morais
(Artista Plástico e Professor de História de Arte)
Palácio Galveias/Lisboa, 23 de Junho de 2005.

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