O Delmar tem o hábito de datar os seus poemas e neles apor a indicação expressa da localidade onde foram escritos. Os poemas que estão a ser compulsados por mim foram todos escritos em Portugal nos lugares de Lisboa, Parede, Monte Estoril, Algés, Paço de Arcos, com excepção de um, o qual tem a indicação da cidade de Maputo.
Nalguns dos poemas, que eu entendo ser os menos conseguidos, o autor funciona como o eco da ideologia veiculada pelos comissários políticos da revolução que ocorreu no seu país: "Na minha pátria/ não há pretos nem brancos, / há moçambicanos! / Na minha pátria / não há mulatos nem monhés/ há moçambicanos!/ E moçambicano/ é aquele que / sente o pulsar da / pátria/ Moçambicano / é aquele que a vive."
2. Conturbado pelas grandes angústias e pelos grandes medos que se abateram sobre os seus antepassados o poeta abandona o casulo da sua singularidade subjectiva e assume-se como sendo a voz inadiável daqueles a quem em vida foi negado o direito de ser e de dizer: "Não sou mais eu/ quem grita de raiva por todas aquelas injustiças cometidas/ no passado." - "Não sou mais eu / quem chora os exílios forçados no presente." - "Sou apenas e só um porta-voz involuntário/ de uma situação que se gerou."
3. Confrangido pelo desacerto das relações humanas o poeta idealiza a possibilidade de conversar muito terra-a-terra com Nosso Senhor Jesus Cristo, e apresentar-Lhe algumas perguntas para as quais não encontra resposta:"Perguntarei ao "Cristo"/ porque será que/ sendo judeu, / o amam tanto, /odiando os outros judeus, Perguntarei ao Cristo/ porque odeiam tanto / o homem negro,/ os homens do norte." Perguntas estas que não teriam razão de ser caso os homens tivessem interiorizado as virtudes da humildade, do amor e da compaixão exaltadas na mensagem de Jesus Cristo.
Moçambicano na diáspora o Delmar transporta amorosamente na sua memória as imagens de um tempo africano, "Em sonhos nostálgicos/ revejo mofanas e adultos/ semi-nus e descalços percorrendo/ a Zalala", e essas imagens são tão fortes e imprevistas que fazem parte integrante do seu ser:"Moçambique/ tu danças em mim/ e eu em ti./ Não te esqueças/ Moçambique:/ eu sou tu/ e tu és eu!".
São ainda de referir as poesias que têm como temas ciclos históricos já encerrados. A primeira intitulada de "Lembrar Timor", rememora o morticínio do povo timorense na sua luta pela liberdade: " Terra de esperança/ chamada desespero./ Terra mártir/ de povo humilhado."
A segunda evoca Samora Machel, a figura central e emblemática da revolução moçambicana, e primeiro presidente do país: "O rosto/ uma expressão viva de esperança./ As mãos/ sinónimo de vitalidade. / O corpo / sinónimo de espontaneidade. / A voz / um ecoar de vozes adormecidas." Os versos relativos às mãos de Samora condizem com a opinião do jornalista Carlos Cardoso que sobre as mesmas escreveu: "As suas mãos nunca paravam. Ficavam gravadas nas mentes das pessoas através dos contacto pessoal, das fotografias nos jornais, em filmes, e através de reuniões e comícios".
In Antologia "Inquietação", Editorial Minerva, Lisboa, 2006.
Jorge Viegas
(Poeta e Escritor Moçambicano)
Quinta do Conde, 2006.
Sem comentários:
Enviar um comentário