“Mestiço de corpo inteiro” de Delmar Maia Gonçalves
Os poemas deste livro abordam uma questão que, para muitos, nunca encontrará uma solução ideal, que é o da condição de se ser mestiço. Um problema que tanto a boa como a má literatura não poderão ajudar a resolver, mas somente a enunciar. Porque as ideias e as emoções que recebemos de leituras diversas poderão alterar os “quadros do nosso consciente, mas nada poderão fazer a nível do nosso inconsciente. E esse inconsciente, quando colectivo, vincula-nos a uma identidade de grupo.
As defesas do inconsciente colectivo tem por base linhas de divisão infracturáveis. Não há espaço para uma terra de ninguém, porque, quem não é como nós, é contra nós. “E da palavra raça/nascerão o ódio e o medo”, escreveu o poeta Nuno Bermudes exprimindo duma forma sintética a profunda divisão que se alberga no coração do homem.
As pontes para ligarem as pessoas que, à partida habitam mundos diferentes, são sempre de carácter transitório.
Nas alturas decisivas elas voltam a fechar-se nos mundos a que pertencem. E é vedada ao mestiço a liberdade de escolher um desses mundos por aqueles que entendem ser os seus legítimos habitantes: “Quando tu/ irmão branco/ de coração umbiguista/ me procuras insultar/ chamando-me preto/ só me dá vontade de rir,/ rir de tristeza/na tua cara/sem nunca mais parar!/ Quanto a ti/ irmão negro/ de coração libertino/do tamanho da África/ quando me procuras/ofender/ chamando-me/ misto sem bandeira/ dá-me vontade de chorar/chorar eternamente...” E duas das supostas linhas de separação entre o mundo branco e o mundo negro transparece na carga adjectiva de alguns versos: “Irmão branco/ de coração umbiguista”, indicam o auto-convencimento duma superioridade inata como característica principal dos homens de tez clara, e os que referem o “Irmão negro/ de coração libertino”, apontam para dois sentidos diferentes, sendo um positivo e o outro negativo. O Positivo, que entendemos ser também o do autor, indica a consciência de que os africanos começam a reflectir livremente sobre si mesmos, libertos das peias do paternalismo dos brancos. O negativo situa-se na equação, fácil de se aceitar, entre uma epiderme escura e uma forte carga de sensualidade.
O Delmar é um poeta que escreve como quem reflecte. Que tem sérias dúvidas sobre a qualidade da linguagem que pratica: “Nem a minha/ engenharia cerebral/ pensadora e reflexiva/nem a minha/mais humilde gramática/ chuabo/ conseguem encontrar/ resposta lógica/e racional” para o problema X. Para o problema Y, que poderá ser o da questão racial, também não poderá encontrar nenhuma resposta convincente e definitiva. Mas ao lembrar-nos de um modo persistente que o problema existe mantém de sobreaviso as nossas consciências.
Jorge Viegas
(Poeta e Escritor Moçambicano)
Os poemas deste livro abordam uma questão que, para muitos, nunca encontrará uma solução ideal, que é o da condição de se ser mestiço. Um problema que tanto a boa como a má literatura não poderão ajudar a resolver, mas somente a enunciar. Porque as ideias e as emoções que recebemos de leituras diversas poderão alterar os “quadros do nosso consciente, mas nada poderão fazer a nível do nosso inconsciente. E esse inconsciente, quando colectivo, vincula-nos a uma identidade de grupo.
As defesas do inconsciente colectivo tem por base linhas de divisão infracturáveis. Não há espaço para uma terra de ninguém, porque, quem não é como nós, é contra nós. “E da palavra raça/nascerão o ódio e o medo”, escreveu o poeta Nuno Bermudes exprimindo duma forma sintética a profunda divisão que se alberga no coração do homem.
As pontes para ligarem as pessoas que, à partida habitam mundos diferentes, são sempre de carácter transitório.
Nas alturas decisivas elas voltam a fechar-se nos mundos a que pertencem. E é vedada ao mestiço a liberdade de escolher um desses mundos por aqueles que entendem ser os seus legítimos habitantes: “Quando tu/ irmão branco/ de coração umbiguista/ me procuras insultar/ chamando-me preto/ só me dá vontade de rir,/ rir de tristeza/na tua cara/sem nunca mais parar!/ Quanto a ti/ irmão negro/ de coração libertino/do tamanho da África/ quando me procuras/ofender/ chamando-me/ misto sem bandeira/ dá-me vontade de chorar/chorar eternamente...” E duas das supostas linhas de separação entre o mundo branco e o mundo negro transparece na carga adjectiva de alguns versos: “Irmão branco/ de coração umbiguista”, indicam o auto-convencimento duma superioridade inata como característica principal dos homens de tez clara, e os que referem o “Irmão negro/ de coração libertino”, apontam para dois sentidos diferentes, sendo um positivo e o outro negativo. O Positivo, que entendemos ser também o do autor, indica a consciência de que os africanos começam a reflectir livremente sobre si mesmos, libertos das peias do paternalismo dos brancos. O negativo situa-se na equação, fácil de se aceitar, entre uma epiderme escura e uma forte carga de sensualidade.
O Delmar é um poeta que escreve como quem reflecte. Que tem sérias dúvidas sobre a qualidade da linguagem que pratica: “Nem a minha/ engenharia cerebral/ pensadora e reflexiva/nem a minha/mais humilde gramática/ chuabo/ conseguem encontrar/ resposta lógica/e racional” para o problema X. Para o problema Y, que poderá ser o da questão racial, também não poderá encontrar nenhuma resposta convincente e definitiva. Mas ao lembrar-nos de um modo persistente que o problema existe mantém de sobreaviso as nossas consciências.
Jorge Viegas
(Poeta e Escritor Moçambicano)
1 comentário:
Delmar Gonçalves é um dos poetas que mais admiro. Parabéns á pessoa que é e por ser fiel ás origens.
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