quarta-feira, 29 de julho de 2009


Poeta zambeziano Delmar Gonçalves depõe


Pretendemos valorizar todas as formas de moçambicanidade e não apenas a política, que insiste em excluir. Nós somos inclusivos, não olhamos para a cor da pele ou para o bilhete de identidade, olhamos apenas e só para o Amor comum que sentimos pelo nosso berço: Moçambique – DELMAR GONÇALVES

Para conhecermos Delmar, um jovem poeta natural de Moçambique que se vem firmando em Portugal através das suas poesias editadas pela editora Minerva, e pelas suas presenças sempre festejadas nos lançamentos dos livros daquela editora, temos que conhecer Quelimane, a capital dos históricos prazos, situada na baixa Zambézia, fulcro de mestiçagem do cruzamento de africanos com reinóis (portugueses) e goeses. Por isso, vamos recolher o testemunho deste jovem natural da vetusta Chuado onde também nasceu quem entrevista o poeta.

Ecos do Oriente (EO) - Como vias a Quelimane do teu tempo?

Delmar Gonçalves (DG) - Quelimane já era uma cidade linda, sempre limpa, mas cujos monumentos já tinham sido varridos pela revolução. De qualquer forma, a minha família sempre apoiou a independência do país, mas não se esperava tanto radicalismo. A minha poesia expressa tudo isso. Houve rusgas nas ruas, nos cinemas (onde a minha família ia todos os domingos assistir às grandes superproduções indianas, com Amitabh Bachchan, Dharmendra, Rajesh Khanna e Dilip Kumar, a brilharem nos cinemas “Águia” e “Estúdio”) e no futebol, onde o Sporting Clube de Quelimane, mais tarde, Palmeiras e Cessel do Luabo, brilhavam com grandes jogadores.

EO - Recorda-me um episódio acontecido contigo em Quelimane?

DG - Um episódio curioso que me marcou deu-se uma vez em que eu saia do cinema “Estúdio”, onde assisti ao filme “Pratiggya” (“O Juramento”) do Dharmendra; fui confrontado por polícias que pediam documentos. Era uma rusga. Quem não tivesse documentos era levado para Lichinga [situado no extremo noroeste do território] num camião. Como eu não tinha documentos, fui levado para o Conselho Executivo de Quelimane, para sermos novamente identificados. Um comandante da Frelimo que conhecia o meu pai reconheceu-me e mandou-me para casa.

Um outro episódio foi numa situação em que assistia a um jogo de futebol com outros mupfanas (crianças) emcima do muro do campo do Sporting, quando chegou um milícia popular e me deu um pontapé dizendo: “Misto sem bandeira, vai para a tua terra!”.


EO – E como é que reagiste a essas situações?

DG – Reagi com lágrimas, fiquei perplexo e revoltado porque ele surpreendeu-me. Sai de lá e fui directo para casa. Nesse momento pensei “Moçambique tem o futuro adiado!”


EO - Quando começaste a escrever e aonde?

DG - Comecei a escrever em 1982, com simples cartas de leitores na revista “Tempo”, que foram elogiadas e posteriormente comecei a escrever poemas e a enviá-los. Já em Portugal, em 1985, comecei a enviar textos emprosa e poesia, para o DN Jovem, que publicou e aconselhou a continuar a escrever. Em 1998, Noémia de Sousa, aconselhou-me a publicar.

EO - Qual foi a reacção do que recebeu o teu trabalho e qual foi a tua?

DG - O incentivo do DN Jovem foi importante, no entanto o meu maior apoio foi da minha professora de 8º e 9ºanos de língua portuguesa e francês, a Sra. Gabriela. Ela incentivou-me a participar no primeiro concurso de jogos florais da escola secundária da Parede, que venci, e no prémio português de literatura juvenil Ferreira de Castro, em poesia, que ganhei já em 1987.

Apesar das tropelias que lhe aconteceram, e a muitos mais jovens seus contemporâneos, devido ao racismo dealguns (e que não poucos), Delmar abraçou a causa, separando as águas, da moçambicanidade, da terra onde nasceu, cresceu e se fundam as suas raízes. Aqui vem formando núcleos que reflictam as actividades que decorreram e decorrem naquela terra o Índico.

EO - O que é o Movimento Jovem Moçambicano de Intervenção Cultural em Portugal?

DG - Este movimento moçambicano não é uma associação, nem uma ONGD, nem um clube, mas um movimento de vontades comuns de jovens que pretendem lutar e contribuir para uma relação saudável e profícua entre os povos falantes da língua de Camões, embora respeitando as diferenças e variantes específicas de cada espaço geográfico e cultural e nesse âmbito já realizou exposições de pintura, escultura, desenho e fotografia, recitais de poesia, palestras pela paz (em Timor, Moçambique, Angola, Guiné-Bissau, Israel, Palestina e Tibete). Já ofereceu livros para venda às associações e ONGD’s; já ofereceu vídeos e DVD’s às associações, inclusivamente, já organizou uma conferência internacional interreligiosa pela Paz. Tem feito também numerosas intervenções em escolas e temos vários eventos previstos.

Pretendemos valorizar todas as formas de moçambicanidade e não apenas a política, que insiste em excluir. Nós somos inclusivos, não olhamos para a cor da pele ou para o bilhete de identidade, olhamos apenas e só para o Amor comum que sentimos pelo nosso berço – Moçambique.

DELMAR MAIA GONÇALVES nasceu em Quelimane em 5 de Julho de 1969. Foi membro activo da Organização da Juventude Moçambicana (O.J.M.) e Quelimane e dirigente estudantil.

Já em Portugal foi igualmente dirigente estudantil quer no Ensino Secundário, quer no Ensino Universitário.

Fez parte do Movimento Encontro de Jovens da comunidade Shalom – Sociedade de Vida Apostólica.

Como professor orientou e dirigiu acantonamentos de jovens estudantes do ensino Secundário de Educação Moral e Religiosa Católica na Ericeira.

Fundou recentemente o Movimento Jovem Moçambicano Intervenção Cultural em Portugal.

É um dos coordenadores dos “Cadernos Moçambicanos Manguana”.

Delmar tem uma filha que se chama Luna Delmar Gonçalves, já com 9 anos de idade, e vive hoje na linha de Cascais.


Entrevista de MÁRIO VIEGAS

In Revista "Ecos do Oriente"

Janeiro/Março 2008







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