Caros amigos
Em surpresa recebo um telefonema do amigo Delmar Maia Gonçalves convidando-me para fazer a apresentação do nº 3 dos CADERNOS MOÇAMBICANOS.
Eu? Porquê?
É evidente ser apreciador de literatura, de uma boa leitura, para a melhor abertura de espírito. Mas “crítico literário” não sou. Gosto ou não gosto e às vezes nem uma coisa nem outra: simplesmente não entendi. E por aí me fico.
Mas parece que a razão foi outra: a net e os blogs. Aí comecei a entender embora não ache razão suficiente.
Assim sendo aqui me encontro, não propriamente para uma crítica literária ao conteúdo deste Nº 3º dos CADERNOS MOÇAMBICANOS, o que ficará para cada um de vós, expressando eu apenas a minha alegria por partir de moçambicanos mais esta iniciativa.
Edição cuidada, já em forma de livro. Conteúdo agradável, textos ou poemas em sequência bem doseada, gostando ou entendendo uns mais ou melhor que outros.
Por tudo isto não vou comentar nenhum dos autores, alguns já com obra editada, mas falar um pouco da net e de como através dela conseguimos não só criar novos amigos, espalhados pelo mundo, mas levar até eles o que de melhor, e às vezes de pior, pode unir os homens ou mulheres deste mundo cada vez mais global.
Sabemos assim quase instantaneamente o que se passa em remotos lugares a milhares de quilómetros. Mas também conseguimos levar a todos , além de notícias, conhecimento. Conhecimento sem censura. Por isso usada para o melhor ou para o pior.
Reconhecendo no entanto que este “para o melhor ou pior” é relativo.
Estamos aqui naturais de lugares situados a milhares de quilómetros uns dos outros, com Bilhetes de Identidade que às vezes nada dizem quanto ao sentimento de nacionalidade que cada um apresenta. Mas há algo que nos une e aqui nos traz: a língua que falamos e em que comunicamos. E é assim que através dela nos entendemos, que trocamos ideias, que achamos confirmações às nossas dúvidas e partilhamos do que sabemos ou conhecemos. Não interessa agora a evolução histórica para que hoje existam vários países, dispersos por continentes, a falar português. Interessa apenas salientar que é por esse razão que se não diluíram os velhos laços de amizade nascidos nos territórios que já foram Portugal.
Mas não fora a internet, a sua manutenção seria difícil. E a aproximação e intensificação desse relacionamento também se não daria.
Não é a internet mais que um meio. Não um fim em si mesma.
E como fui eu parar à internet?
Em Fevereiro de 1995 estava arrumando umas quinquilharias e encontro duas caixas com muitas centenas de slides que trouxera de Moçambique. E pensei que quando me finasse aquele espólio seria metido a um canto ou até deitado ao lixo pois que meus filhos, não sendo propriamente imagens de família, por eles se não interessariam.
Já tinha ouvido falar da net mas nunca acedera a tal ferramenta. Com a ajuda de alguns amigos em Maio de 1995 tinha criado a minha primeira página na net a que dei o título de MACUA DA ILHA DE MOÇAMBIQUE, acrescentando alguns textos e depois algumas músicas, procurando que Moçambique fosse encontrado por esse mundo global.
Aprendendo e evoluindo consegui ter a página sobre Moçambique mais vista da net, recebendo contactos das mais variadas partes.
Foi em 2003 premiada por estar entre as 5% das páginas(sites) mais vistas no mundo, bem como pelo seu conteúdo, segundo um júri internacional. Mas o meu objectivo sempre foi colocar Moçambique no mundo.
Mas a página era de certa forma estática, tendo em 2004 criado o blog MOÇAMBIQUE PARA TODOS, como anexo ao MACUA DE MOÇAMBIQUE. Neste momento está com uma média de 1000 visitas diárias e já mais de 200 subscritores da sua newsletter diária. São notícias, comentários, vídeos e tudo o que mais consiga, essencialmente relacionado com Moçambique, procurando não esquecer o contexto em que as situações acontecem ou evoluem ou são influenciadas e aberta a todos os matizes políticos.
Felizmente que não sou único e nem fui o primeiro.
Hoje é fácil a qualquer pessoa ter um blog ou uma página. E é assim que uns fornecem os conteúdos e outros os digerem.
Mas é essencialmente por já hoje existirem alguns milhares de computadores ligados à net em Moçambique que a distância que deles nos separa a geografia se reduziu a alguns segundos.
São os grupos através do Yahoo ou MSN que se formam por localidades onde moraram ou escolas que frequentaram. São os grupos de interesse. Todos com residentes nos quatro cantos do mundo, como o Moçambique Online, com cerca de um milhar de inscritos, comunicando-se quase instantaneamente, quase diariamente.
E é através deste meio que os nossos povos (todos os que falam português), mais que os políticos, têm conseguido manter laços que de outra forma se perderiam ou seriam de difícil manutenção.
Criaram os políticos a CPLP e andam sempre inchados com a lusofonia em encontros, pouco mais que turísticos, de país para país, que fale português.
Mas importante é compreender que a construção da lusofonia não está nas mãos de um projecto integrador, nem de uma cartilha, nem de uma vanguarda política, nem dos seus profetas culturais.
As comunidades lusófonas formam uma rede entrosada de afectos, de objectivos políticos e de interesses e que se alimenta das liberdades das nações, das pessoas e das instituições.
Quem disse que a língua portuguesa foi "a melhor coisa que os portugueses nos deixaram" foi Amílcar Cabral, bem como outros dirigentes dos movimentos de independência, aliás ensinados em escolas cristãs baptistas anglófonas. Quem está contra a lusofonia não percebeu o mundo político da globalização; quem está a favor, está sempre a tempo de fazer qualquer coisa.
Ainda em 11 de Setembro passado Eduardo dos Santos afirmou:
“Devemos ter a coragem de assumir que a Língua Portuguesa, adoptada desde a nossa Independência como a oficial do país e que é hoje materna de mais de um terço dos cidadãos angolanos, se afirma tendencialmente como uma língua de dimensão nacional em Angola.”
E acrescentou:
“Isso não significa de maneira nenhuma, bem pelo contrário, que se deva alhear da preservação e constante valorização das diferentes Línguas Africanas de Angola, até aqui designadas de “línguas nacionais”, talvez indevidamente, pois quase nunca ultrapassam o âmbito regional e muitas das vezes se estendem para além das nossas fronteiras.”
Mas somos nós, assim o creio, que estamos a criar a verdadeira lusofonia. Até nem sei se será esta a melhor palavra para definir tudo o que nos une. E ninguém pode negar que é a partir de Lisboa que tal está a acontecer. Razões? As do coração, em essência. Políticos são políticos, mas povo somos nós.
E mais uma prova disso são estes CADERNOS CULTURAIS que agora lhes são apresentados.
Resta-me pois terminar, com os meus votos de sucesso ao CADERNOS MOÇAMBICANOS e aos seus promotores, pedindo desculpa pelo tempo que lhes roubei.
A todos os meu obrigado pela paciência que tiveram em me ouvir.
Fernando Gil
(Director do Website Macua)
Lisboa, 30 de Setembro de 2006
Ilustração:
"Cadernos Moçambicanos"
de Isabel Carreira
(Artista Plástica, Professora de Literatura Portuguesa e Inglesa e Mestre em Relações Interculturais)