terça-feira, 29 de abril de 2014

segunda-feira, 10 de março de 2014

De Lisboa a Famalicão: O baptismo do Perdedor da Distância Incerta ao Ponto Certo

S

exta-feira acordo embriagado pela beleza das noites Lisboetas que não me largaram a beira do Sagres. 
Antes de me levantar vejo a Francisca ( a gata) encostada a almofada que desfilava no lugar onde dormia e eu nem tomei conta da sua presença, dei um abraço na gata a boa maneira que a Maria me ensinara, ela continua a olhar-me com desconfiança, deixo-a e levanto-me em direcção ao relógio pergunto-o as horas e ele respondeu-me:
- São seis da manhã 
Levantei-me a passos de camaleão, iniciei a minha digressão pelas coisas que me pertencem, preparei a mala, os livros nas devidas sacolas e os documentos nos seus concretos espaços de repente apercebi-me que tinha o bilhete do voo em falta. Acordo a Maria que de forma leve e tardia liberta-se da cama pois o sono já tomava conta do seu mar alentejano, eu convidei-a a mergulhar no mar da minha inquietação.
Amosse tenta lembrar-se onde deixou o bilhete enquanto procuramos nos livros- retorquiu a Maria
A mesma altura eu regava com lágrimas de dor a cheirarem-me o exílio pelos tantos cantos daquela casa. E ela disse:
-será que não esqueceste na pensão onde dormiste no primeiro dia?
As palavras me fugiam como um navio de pesca em plena castração no mar, o coração batia forte e melancólico como as águas turvas de um tsunami. O silêncio não me largava, o relógio corria a uma velocidade cósmica tipo um gato em brasas, 9 horas diz ele a rir-se de mim, olho-o com uma voz nostálgica pego no celular penso em ligar para Maputo a Maria intersecta-me diz:
-Não precisa Amosse esta tudo bem com a sua avó o que tens que fazer é ligar para o Delmar e outro amigo da embaixada para te levarem a pensão para ires procurar o bilhete.
Como sempre a voz da mulher é a voz do comando, liguei para o Paradona combinamos o ponto de encontro nas Amoreiras, sai da casa (Maria) a caminho da paragem do mesmo nome, minutos depois chega o Paradona exponho a minha preocupação .
E ele disse não tem problemas vamos a TAP resolve-se este caso. Fiquei sossegado saímos em direcção ao aeroporto, o celular toca toca Delmar diz:
-estou na embaixada a vossa espera com uma actriz brasileira.
-Dentro de 5 minutos chegamos ao vosso encontro, respondeu Paradona
saimos a moda da fórmula 1 que se conduz em Portugal despertamos na ponte em direcção a Setúbal. estamos perdidos para voltar temos que atravessar a ponte e voltar de novo na rotunda da Costa da Caparica -disse Paradona.
Este era o prenúncio de um festival de perdidas que o dia esperava nos presentear. Chegamos a embaixada encontramo-los bem cansados de tanto esperar e bem sossegados de tanto conversar fez-se a divisão tal como deus fez quando dividiu o céu e o mar a bela actriz brasileira que passou a responder por Vera Barbosa entrou no carro onde eu estava com Paradona, o maestro do Núcleo Tenaz Jorge Viegas, Delmar Gonçalves e a esposa ficaram noutro carro e saímos escoltando-nos em direcção ao aeroporto, ali resolveu-se o problema do bilhete a troco de 40 Euros Paradonianos.
São 12 horas a viagem a Vila Nova de Famalicão é longa os dois condutores trocam os mapas e o Delmar disse vamos pela via Torres Vedras em direcção a Porto isto na A25 e desviaremos  na A3 sentido Porto- Braga.

Embalamo-nos na estrada de olhos bem abertos nas instruções da voz que falava verdades, o caminho é sempre a frente até encontrarmos a rota do desvio para Braga, o motor roncou com os pés rentes a estrada que nos namorava a 30 minutos do ponto de partida, a viagem teria a duração de 3h e 30minutos.mas devido ao mapa errado dado pela pessoa certa, prosseguimos felizes ao som da voz da Vera Barbosa ali falamos de tudo( teatro, literatura, cinema e mais) e de todos( Saramago, Jorge Amado, Craveirinha) antes de chegar a Aveiro o Delmar liga a perguntar sobre o nosso paradeiro
-estamos a passar a Aveiro- respondi, era uma pura mentira que o celular as vezes nos induz, decidimos parar nas bombas a 5 km de Aveiro, pois ja estava tudo quente precisávamos de uma água ali nos reencontramos, e confirmou-se que estávamos no caminho certo, dividimo-nos tal como deus nos ensinou.
A viagem continuo firme nos nossos ideias comunistas que diziam- chegaremos a Famalicão as 15 horas. puro sonho irrealizável, dai perdemo-nos um do outro, continuamos abraçados a estrada na esperança de chegar beijar a cidade que nos espera a séculos ,os poemas abertos nas mesas para as nossas bocas aprovarem e os poetas antropófagos que desejam comer as experiências dos poetas moçambicanos.
As horas em nenhum momento perdoaram-nos e a distância chamava por nós seduzindo-nos com a sua nudez alcatroada de mel e os seus olhos pedregosos de vinhas  de sabores milenares.
Passamos  o cruzamento do Porto esperançados no próspero encontro do desvio Braga, chamamos o Delmar telefonicamente e disse estão no caminho certo é para frente que se vai a Famalicão. Depois da fala a Vera e o Paradona colaram algumas interrogações no tecto que nos cobria pois ela cheirava o perfume de Viseu. Continuamos a andar em direcção a fronteira com Espanha (Viseu).
As horas transbordavam de forma violenta no nosso rio das incertezas, 17 horas ainda a bordo desta amável estrada e em Famalicão iniciavam as RAIAS DOS RAIOS DA POETICA.
Oh Paradona o primeiro desvio que encontrarmos vamos voltar para Coimbra e lá encontraremos o caminho para Porto- disse a Vera, estávamos em Tondela, ligamos para o Delmar - ele confirmou que já tinha chegado a Famalicão e já tinha informado a todos convidados que os poetas moçambicanos e a actriz brasileira estavam perdidos. Tomamos a estrada em direcção a Coimbra cansados de beijar a mesma boca da A25 e por fim encontramos a A3 com a placa Porto ai nos sentimos em casa acordamos do tédio que nos acompanhava continuamos a esculpir a conversa que a 1 hora o silêncio tinha a tomado de assalto.
E por fim as 19h chegamos a Famalicão ali reencontramos velhos e novos amigos Abreu Paxe João Maimona (Angola), Luís Serguilhas, Maria João Cantinho, Luisa Demétrio Raposo, Jorge Velhote, Jorge Melicías Aurelino Costa, José Ilidio Torres, Inês Leitão, Marilía Lopes, Aurora Gaia, Luisa Monteiro ( Portugal), Laercio Correntina, Manaíra Aires Athayde, Cláudia Carvalho Machado ( Brasil) Alberte Momán, Ramiro Vidal Alvarinho, Verónica Martínez Delgado Carlos Quiroga, Javier Diaz (Espanha), e outros que a palavra sempre nos aproxim(ou)a deles. este era o baptismo das  Primeiras Raias Poéticas das Afluentes Ibero-Afro-Americanos na Vila Nova de Famalicão, bem haja.
Amosse Mucavele
1.12.12 Hotel Moutados
Quarto 404,  02 horas:50 minutos
Vila Nova de Famalicão

domingo, 9 de março de 2014

World Art Games


"ENTRE DOIS RIOS COM MARGENS" por MARIA DOVIGO

O VELHO IMBONDEIRO OU A LIGAÇÃO DA HUMANIDADE EM TRÂNSITO
(NOTAS A "ENTRE DOIS RIOS COM MARGENS")
Não desligo o labor poético do entendimento do humano concreto e da vontade de fazer o bem. Assim, o livro do Delmar Maia Gonçalves, Entre dois rios com margens, é exemplo de um sincero contributo do poeta exilado para o esforço coletivo da emancipação da humanidade em trânsito, em que o poeta “se revela na generosidade com que se dá aos outros”.
O fio narrativo do conjunto dos poemas é o homem que se exilia da sua terra devastada para procurar nos longes a salvação da terra da infância, o tempo que “é o centro crucial do furacão da vida”. Como nos contos de tradição oral, o herói parte para compensar uma perda, a perda da harmonia, do canto, da paz. O poeta canta “sobre as cinzas”, com uma linguagem fragmentada, caótica, expressão da perda da harmonia. A viagem é uma religação com a raíz, um “imigro de mim para mim mesmo”, a procura do centro perdido, um pedaço na “esfera do caos”.
É na viagem deste herói poeta que se juntam as esperanças da coletividade. O poeta é a esperança no retorno da harmonia, o que procura “o fio da palavra vital”. Em ele resistem as memórias da língua dos pássaros, ele porta consigo a memória das árvores milenares, do velho imbondeiro africano, o irmão da lua,  que com ele faz a viagem do mundo. Ele é o intérprete da grande voz cósmica, isto é, ordenadora, que se ouve nas conchas. Ele, o poeta exilado, o poeta em trânsito, pensa em movimento, como as “ondas do mar”. Procura incessante a esperança, esse momento em que ao seu “país as aves regress[em], e com elas a alegria, a paz, a vida e os poetas”. Esse pensamento que, como o vento, “sopra violento”, percorre dualidades, “de mim para mim”, entre “dois rios com margens”, entre o silêncio e as vozes, os “silêncios que falam”, “o murmúrio dos novos tempos”. A “solidão plural do berço umbilical” é “bálsamo revigorante” do poeta que vê “os caminhos se encurtarem e as portas se fecharem”. Este passo entre a dualidade e a identificação, é o primeiro movimento do pensamento para conseguir a ligação e dar sentido à dor da fragmentação, essa dor que o poeta quer “exorcizar” com a escrita. Assim se afirma o poeta exilado como aquele vai buscar a luz da aurora, a vida e a esperança, o “despertar” para a coletividade.
Pela lei da isomorfia da imaginação humana, o poeta consegue a síntese em que se identificam as duas margens do rio, a superação dessa primeira barreira para a comunicação que faz uno o percurso do viajante e do poeta. A viagem poética revela que a paz, a abundância e o canto são três palavras para a harmonia única do humano, a expressão da vida renovada, vida material, vida anímica, vida sonhada, na primavera esperada da língua e da comunidade.
De entre todas as imagens de esperança, nenhuma tão forte como a da árvore, a “força integradora do mundo”, em expressão do crítico Gaston Bachelard, os velhos imbondeiros africanos que “repousam” no poeta. Por aparente paradoxo, a raiz da árvore é ligação à terra mãe e nó de ligações que reúne todos os caminhos do mundo. A voz cósmica das árvores, tão conhecida pela tradição poética da minha Galiza natal, a voz das “longínquas avós das carvalheiras” do poeta galego Celso Emílio Ferreiro ou dos pinheiros, arautos da redenção da terra escrava, do poeta Eduardo Pondal. Assim é o imbondeiro, que liga o sagrado, o poético e o histórico, o humano e o natural. O imbondeiro ressequido do poema “África”, imagem da devastação da pátria, tão semelhante à do carvalho abatido do poema de Rosalia de Castro “Os carvalhos”. O imbondeiro irmão da lua, como os pinheiros que com o luar dialogam no poema que deu origem ao hino galego, a lua que banha “a esperança adormecida” do poeta.
Encontram os poetas a universalidade da imaginação, esse “céu invisível”, na diversidade material da vida que liga o natural e o humano. Encontra assim o poeta sentido à sua própria viagem de exílio, à afirmação da liberdade da criação do “nómada e pássaro livre em voo rasante”, como se identifica no poema “Eu sou eu II”. O repouso já não está no espaço físico exterior, uma das margens do rio, mas no espaço linguístico interior, a outra margem, o espaço da língua recriado no poema “Trabalho da língua”, que dá a dimensão da humanidade e do labor do poeta que não distingue o individual e o coletivo, essa solidão plural que descobre a identidade do poeta errante em ser “a voz destemida dos sem voz”, algumas das muitas dualidades que identificam este livro de poemas. A língua que se liga aos ritmos vitais da natureza, ao rio que tudo e todos une, encontra o seu renascer nos versos de Delmar Maia Gonçalves.

Maria Dovigo