domingo, 25 de outubro de 2009

Moçambiquizando… Logo eu?


Em Moçambique entra-se pelo Índico… disse-me há dias um homem de olhos cor de pátria antiga, percorrido por pérolas de vegetação nas palavras sérias…
Eu disse-lhe, assim calado como um pássaro sentado aos pés de uma pedra, que costumo entrar pelo ar dentro das pessoas, indo com elas em barcaças frágeis, digo que isso são afectos ou talvez quem sabe é apenas uma arte, a de respirar?... Entrei em Moçambique disse eu com o meu ar de pedra aos pés de uma ave, pelos olhos do Delmar, o poeta, aquele que ali está, Kanimambo vida que mo trouxe aos meus sentidos…
Eu que já estive em África, que tenho uma irmã que nasceu em África, sei tão pouco, nada de África… O que sei de Moçambique? Que me disseram para nele entrar pelo Índico e eu estou nele pelo sentir, que tem uma das campanhas mais bonitas de que já ouvi falar, aquela de transformar armas em enxadas (ai quem me dera que no meu país as armas não estivessem apontadas e as enxadas dessem o pão e o pão dos poemas fosse a nossa enxada, a nossa arma…).
E de repente, aqui me põe, as nuvens à cabeça, escrevendo sobre um livro que tem África no sangue brando… Depois, descubro com facilidade: isto tem a ver comigo… A poesia é mestiça, pois não há palavra negra nem vocábulo branco, nem se faz de cores primárias as palavras almas dos poetas… Depois há esta doçura de falar poetizando, no poetiz Delmar – o mesmo que quando me fala parece dizer: olha que tenho medo de dar um grito abafado - ; e ao mesmo tempo, há uma estonteante e sábia crítica, uma agressividade que nunca comete agressão, uma exaltação que nunca é raiva, uma apreciação que é mais discernimento, uma pátria a bulir por dentro que não contém uma só fronteira…
A poesia é mestiça, irmã! Vê bem o que é isto, irmão, olha o poema que é de cor em cor! Não quero falar do livro, lá dentro o livro que nos ficará cá dentro, sou como os makondes que sabem que sabem que havendo uma aura de mistério e segredo rodeando a preparação das máscaras e a dança propriamente dita, sendo por exemplo importante que não se saiba a identidade do dançarino, todos querem ficar para descobrir. Oxalá que sejam muitos os que querem ficar nestes poemas, com estes poemas. E que fique eu calado como um pássaro sentado aos pés de uma pedra, a entrar pelo ar dentro das pessoas, para que seja o poemas a ouvir-se e não o amigo que aqui o apresenta…


Prefácio do livro Moçambiquizando, Editorial Minerva, Lisboa, Março de 2006.
Alexandre Honrado
(Escritor e Historiador Português)

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